Saúde Tecnologia
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Publicado em 24/11/2025 13:18h

Segundo o Instituto Nacional do Câncer (Inca), as neoplasias são a primeira causa de morte por doença em crianças: a estimativa é de cerca de 8 mil novos casos de câncer infanto-juvenil por ano, registrados no Inca, no triênio 2023-2025. Ainda que a taxa de cura seja alta, esse público enfrenta o desafio de realizar um diagnóstico precoce e de lidar com a jornada de tratamento. Nesse sentido, novas tecnologias têm ajudado a minimizar esse impacto em uma fase tão importante da vida. Jogos de realidade imersiva, gameterapia e realidade aumentada em salas de exames despontam como algumas das alternativas para melhorar a experiência do paciente e diminuir o estigma associado ao ambiente hospitalar.
As inovações são vistas como grandes aliadas porque os jovens vivenciam a doença em uma fase crucial de desenvolvimento. Estudos demonstram que passar por um câncer na juventude afeta não só a parte física como também a mental, aumentando o risco para desenvolver transtornos como ansiedade e depressão – além de trazer à tona sentimentos como culpa, raiva e medo. Há também uma percepção negativa da autoimagem – ainda em formação –, associada com baixa autoestima e sintomas depressivos, destaca a Associação Americana de Psicologia (APA, na sigla em inglês).
Por isso, a estratégia multidisciplinar se torna cada vez mais relevante no contexto infantil, reforça Vicente Odone Filho, pediatra e hematologista no Einstein e professor titular da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP). A evolução das terapias disponíveis também contribui para esse novo momento na oncopediatria, pois a redução de toxicidade das terapias-alvo em comparação com a quimioterapia convencional reduz também a necessidade de afastar a criança de atividades comuns do seu dia a dia.
Enquanto a realidade virtual funciona como ferramenta de distração durante procedimentos invasivos, a robótica é aplicada em contextos lúdicos e terapêuticos para promover o engajamento, a mobilidade e motricidade fina durante as hospitalizações. “Esses recursos têm sido cada vez mais utilizados para reduzir dor, ansiedade e desconforto em pacientes pediátricos oncológicos”, relata Denise Bousfield, presidente do Departamento Científico de Oncologia da Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP).
Outra vantagem é que o uso dessas ferramentas também lembra o paciente da experiência de ser criança. “Eles trazem uma certa normalidade ao paciente ao aproximá-lo do aprendizado e do brincar. Isso é uma grande conquista”, afirma Odone Filho.
Em crianças e adolescentes, as leucemias e os tumores do sistema nervoso central são as neoplasias mais frequentes e as principais causas de óbito pela doença nessa faixa etária. Fatores como a localização do tumor, o tipo histológico específico e alterações genéticas influenciam diretamente o prognóstico da doença.
Outro fator relevante é a diferença significativa no comportamento biológico da doença quando comparada ao câncer adulto. Se nos adultos a tendência é que as neoplasias sejam localizadas e permitam intervenções como tratamento cirúrgico e radioterapia, o câncer pediátrico tende a ser mais disseminado. “Por isso, em termos simples, o tratamento necessita de recursos que possam atingi-lo em todas as áreas do organismo onde ele se localiza”, explica Odone Filho.
Assim como nos adultos, o avanço da ciência possibilitou o aumento da sobrevida em pacientes pediátricos oncológicos. Mas ainda há desafios, como desigualdades de acesso a tratamentos especializados, maiores taxas de recidiva, morte por toxicidade e aspectos biológicos inerentes à apresentação da doença.
Além disso, o diagnóstico precoce ainda é uma barreira, pois os sintomas do câncer infantil costumam ser comuns a outras doenças corriqueiras dessa fase da vida. Isso inclui dores e manchas no corpo, febre, inchaços e perda de peso. Na maioria das vezes, o câncer infantil é de origem genética, não influenciada por fatores externos. Isso também dificulta o desenvolvimento de ações preventivas e de protocolos de rastreio, como o que acontece com as neoplasias adultas, nos casos de cânceres de mama e de próstata, por exemplo.
A visão sobre a importância terapêutica de diminuir o isolamento da criança e do adolescente em uma ala oncológica levou Michelle Zampar Silva, mestre e doutora em Saúde da Criança e do Adolescente (USP) e especializada em Reabilitação e Tecnologias (Unesp) e colegas, a desenvolver um jogo imersivo para reduzir o desconforto dos pacientes oncológicos durante a realização de punções para exames.
O game, chamado Kimoterapia, tem uma jornada que conversa com o tratamento. O jogador passa por três fases e, para atingir pontuações maiores, precisa desviar de bactérias e coletar medicamentos e alimentos saudáveis. Um diferencial é que não existe game over – detalhe pensado levando em conta o emocional da criança em relação à sua doença. Diversos aspectos foram considerados no seu desenvolvimento, desde o avatar até a mobilidade do paciente e o tipo de tecnologia necessária para rodá-lo.
“O jogo foi projetado para ser 180 graus, porque eu preciso que a criança fique parada durante a punção”, explica Zampar. Além disso, outros detalhes permitiram adaptar a experiência à rotina de um paciente oncológico. “Crianças em tratamento sentem dor, enjoo, náusea. Se trouxéssemos óculos 3D com um jogo de montanha-russa, poderia causar desconforto no paciente.”
A tecnologia foi validada através de um estudo com 50 crianças e adolescentes em tratamento oncológico. Seu resultado, publicado no periódico Einstein, mostrou redução significativa na frequência cardíaca, melhor controle da dor e diminuição da agitação e do choro durante as punções. “Essa estratégia é simples de implementar, econômica e deve ser considerada pelos serviços de saúde que atendem pacientes pediátricos com câncer”, argumentam os autores do artigo.
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